terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Preconceito

Caso de racismo gera protestos em restaurante de São Paulo

 
A Polícia Militar foi acionada por volta das 15h deste sábado para acompanhar o protesto de um pequeno grupo de manifestantes em frente à Pizzaria Nonno Paolo, no Paraíso, na Zona Sul da capital. O motivo do protesto foi o suposto caso de racismo contra um menino etíope adotado por casal espanhol. No dia 30 de dezembro, a criança, de 6 anos, teria sido expulsa do local após ser confundida com um garoto de rua. A manifestação foi organizada através de uma rede social na internet. A PM informou que a ocorrência já tinha sido encerrada por volta das 16h15.
Uma das sócias do restaurante Nonno Paolo, Camila Pereira, de 22 anos, afirmou, na terça-feira (3) que não existe racismo no restaurante. “Nós não temos preconceito nenhum. Vocês podem ter certeza. Como ter preconceito no Brasil?”, questionou. O restaurante foi acusado por um casal de espanhóis de expulsar o filho deles, um menino negro de 6 anos, adotado na Etiópia. Segundo os pais, ele foi segurado pelo braço e levado até o lado de fora.

Ela afirmou que o gerente do Nonno Paolo apenas conversou com o menino e o questionou sobre a presença dos pais, porque ele estava próximo à mesa de self-service, onde o fogo é mantido acesso para esquentar as panelas. “Simplesmente perguntou para ele. Onde está sua mãe? Onde está seu pai?”. Segundo ela, o menino ficou com medo e decidiu correr.
Camila disse lamentar o fato de os pais da criança terem deixado o estabelecimento sem conversar sobre o ocorrido. "Eu entendo o lado deles. Mas eu acho que, de repente, poderia ter tido uma conversa, que não precisaria de tudo isso, porque realmente não foi o que aconteceu."
A sócia disse confiar em todos os seus funcionários. Afirmou ainda que o restaurante decidiu afastar o gerente para preservá-lo enquanto o assunto não é resolvido. Segundo ela, clientes que frequentam a pizzaria há muito tempo e conhecem os donos e funcionários ligam sem parar para prestar solidariedade.
O relato de Camila é diferente do dos familiares do menino. A tia dele, Aurora Costales, disse que o menino foi encontrado na Rua Abílio Soares após ser retirado do local. "Chorando e muito, muito assustado. Perguntamos: onde você estava indo? Ele falou: Um senhor botou fora."
A polícia investiga o caso. O delegado Márcio de Castro Nilsson afirmou que, pelas circunstâncias, "tende a ter ocorrido um delito de preconceito de raça ou de cor". 

Clientes de restaurante que expulsou criança negra serão ouvidos

  

A Polícia Civil quer saber quem eram os clientes e funcionários que estavam no restaurante Nonno Paolo, no bairro do Paraíso, Zona Sul de São Paulo, no momento em que um casal de espanhóis relatou que seu filho de 6 anos foi expulso na sexta-feira (30). O menino é negro e foi adotado há dois anos na Etiópia. Segundo o casal, o menino disse que um senhor o colocou para fora do estabelecimento. O advogado do restaurante alega que o menino saiu espontaneamente após ser abordado pelo proprietário. A criança foi encontrada pela família a um quarteirão do local.

A mãe do menino, que quis ser identificada apenas como Cristina, de 42 anos, procurou o 36º Distrito Policial, no Paraíso, e registrou um boletim de ocorrência. No mesmo dia a mulher prestou depoimento. O delegado Márcio de Castro Nilsson, titular da delegacia, instaurou um inquérito nesta segunda-feira (2), e deve ouvir outras pessoas para apurar se houve preconceito de raça ou cor.
“Ainda não dá para dizer que é preconceito. Quero apurar os fatos. Em um primeiro momento, pelo menos um constrangimento ilegal houve. Mas em que circunstâncias é preciso apurar, e até quem cometeu”, afirmou o delegado na manhã desta terça-feira (3). Por enquanto, o caso não deve ser encaminhado para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

Outros depoimentos ainda não foram marcados – o advogado do restaurante, José Eduardo da Cruz, esteve na delegacia nesta manhã para se inteirar sobre os fatos do inquérito e disse estar à disposição da polícia. O advogado do Nonno Paolo reconhece que o dono do estabelecimento abordou a criança, mas nega que tenha havido racismo.

"Ele [o dono] se dirigiu ao garoto e ele não respondeu. Ele imaginou que fosse mais um dos meninos de rua da feira, e a criança saiu do local espontaneamente. Em hipótese alguma houve racismo", disse. Funcionários do restaurante ouvidos pelo G1 confirmam que o dono do local colocou o garoto para fora do estabelecimento.

Os espanhóis contam que foram se servir no bufê e deixaram o menino na mesa. O gerente do restaurante, porém, garante que houve um desencontro entre o menino e seus pais. “O menino saiu procurando os pais dele. Mas ele foi para o lado errado. Os pais estavam de um lado e ele foi para outro”, disse José Eduardo Fernandes Neto.

Família


A família do menino, que chegou ao Brasil no dia 17 de dezembro e voltou para a Espanha nesta segunda, disse estar muito abalada. "Foi um desespero, a primeira coisa que eu pensei foi que alguém havia levado ele embora [o menino] e que não iríamos vê-lo nunca mais", disse a mãe, técnica de administração acadêmica na Universidade de Barcelona. A família havia ido ao Parque Ibirapuera na manhã da sexta (30) e decidiu comer no restaurante à tarde. Funcionários viram que o garoto entrou com os pais e o trataram como cliente num primeiro momento, relatou Cristina. O menino não fala português.

A tia que hospedou o casal, Aurora, afirmou que o garoto evita falar sobre o caso e que estava chorando quando foi encontrado pelos pais. "Ela [Cristina] chegou aqui chorando, com o marido. Eu voltei [ao restaurante] com ela para saber o que houve e um funcionário admitiu que havia colocado o menino para fora."

"Ele me disse 'um senhor me botou para fora', em catalão, que é a nossa língua. Perguntamos se ele estava ferido e ele disse que foi segurado pelo braço, mas não foi machucado", contou a mãe. A família estuda entrar na Justiça caso a investigação não prossiga.


http://www.uel.br/neaa/noticias

O preconceito contra o menino etíope
Na sexta-feira 30 de dezembro, uma família de turistas espanhóis interrompeu as férias em São Paulo para entrar numa delegacia e fazer uma acusação de racismo. Eles almoçavam no bufê da Nonno Paolo, uma cantina italiana no bairro do Paraíso, quando ocorreu uma cena inesperada. Logo depois que deixaram a mesa para se dirigir ao balcão de alimentos, descobriram que seu filho de 6 anos desaparecera. Alertados por outros clientes, foram para a rua, onde encontraram S.T.C. sozinho, aos prantos. Filho adotivo do casal, ele é negro e nasceu na Etiópia. O pequeno S.T.C. usava roupas caras – entre elas uma camisa oficial do Barcelona. Aos pais, o menino contou que foi apanhado pelo braço por um adulto e colocado para fora do restaurante.
Os policiais encarregados do caso dizem que o pequeno S.T.C. foi vítima "no mínimo" de constrangimento ilegal, crime que consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Descendente de suecos, pele clara e olhos azuis, o delegado Márcio de Castro Nilsson, que dirige o inquérito, pergunta: "Será que teria havido o mesmo constrangimento se o menino fosse loiro, de olhos claros?".

Na fase atual da investigação, tenta-se esclarecer esse ponto. Num de seus parágrafos, o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro descreve o que aconteceu no restaurante, como "recusar atendimento" e "impedir acesso" a locais públicos, como "injúria racial". A pena nos dois casos é leve: três meses de prisão ou uma multa.
Numa explicação formulada com o auxílio de um advogado, o restaurante conta uma história diferente. Diz que o menino só foi abordado porque os funcionários ficaram preocupados com sua segurança. Isso porque, na versão do restaurante, ele estava de pé, andando entre aquecedores a gás, o que poderia provocar um acidente. Como o menino não fala português, não pôde compreender o que lhe diziam e foi embora por conta própria.
Essa versão teria mais credibilidade se todos os meninos que frequentam a Nonno Paolo – onde adultos e crianças confraternizam em torno de pratos variados de massa, carne e pizzas – fossem levados para a rua sempre que passassem perto de algum aquecedor fumegante para pegar um prato de espaguete. O caso só chegou à delegacia graças à intervenção de uma tia-avó do menino, Aurora Costales, de 77 anos, viúva, espanhola de nascimento, há décadas no Brasil. Ao tomar conhecimento do que se passara, Aurora voltou ao restaurante em companhia de sua sobrinha, Cristina Costales, mãe de S.T.C., e do próprio garoto. Ela cobrou explicações na frente dos clientes e só se retirou – para ir à delegacia – depois que um parente dos proprietários admitiu ter levado S.T.C. para fora. Esse parente lembrou que, como em outros restaurantes, ali também se costuma impedir a entrada de meninos de rua, com receio de constranger os clientes.
Época - 10/01/2012
 

Chovendo no molhado
As tragédias do Ano-Novo se repetem num tempo em que não se pode falar em falta de verbas
REDAÇÃO ÉPOCA
Os brasileiros já aprenderam que o ano pode ser novo, mas a tragédia é sempre velha. Com a pontualidade dos fogos de artifício, as enchentes chegaram a diversos pontos do país no início de 2012. Em Minas Gerais, 87 cidades foram colocadas em situação de emergência. No noroeste fluminense, o quilômetro 120 da BR-356 não resistiu à força da correnteza do Rio Muriaé e, após o rompimento de um dique, um pedaço da estrada foi levado pelas águas, obrigando centenas de famílias a evacuar suas casas. Até o fechamento desta edição, havia oito mortos pelas águas.
Um ano depois de enfrentar, em 2011, a maior catástrofe natural de sua história, seria razoável imaginar que o governo Dilma Rousseff quisesse iniciar o segundo ano de mandato com cautela e eficiência. Nem o ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, principal responsável pelos recursos contra enchentes, estava de serviço.
O aspecto desagradável dos problemas revelados pela enxurrada da semana passada é que são dificuldades conhecidas e males já diagnosticados. A maior novidade é que, com a estabilidade econômica e em crescimento econômico prolongado, não se pode mais falar em falta de verbas. O dinheiro está sobrando – literalmente. Se, em 2011, podia gastar R$ 2,5 bilhões do Orçamento para combater as enchentes, o governo deixou R$ 529 milhões no cofre. No item das obras de pequeno vulto para drenagens, não se gastaram 20% dos R$ 124 milhões disponíveis.
Como Fernando Bezerra é provável candidato a prefeito no Recife no final do ano, com o apoio do governador Eduardo Campos, um dos principais cabos eleitorais de Dilma no Nordeste, Pernambuco foi apontado como principal destinatário em verbas contra enchentes em 2011. É certo que Bezerra assegurou um tratamento preferencial a seu Estado, que recebeu R$ 34 milhões. Também é certo que uma das pragas que infestam o Estado brasileiro é o tratamento camarada a aliados políticos ou partidários. Mas não seria justo atribuir apenas a Bezerra a responsabilidade pela tragédia causada pelas enchentes.
Os recursos emergenciais enviados ao Rio de Janeiro no início de 2011, após a tragédia que fez 900 mortes, chegaram a R$ 70 milhões – e ainda podem crescer. A questão, como sempre, não está no tamanho das verbas destinadas a cada Estado. Está em como o dinheiro é empregado. Em Pernambuco, o governador, Eduardo Campos, procurou justificar o uso dos recursos federais e estaduais com obras que deverão ter lá seu papel no combate às inundações. No Rio de Janeiro, pelo visto, não foi só a água das chuvas que desceu pelos ralos. Até agora, dois prefeitos, de Nova Friburgo e Teresópolis, um do PT, outro do PT do B, perderam o cargo sob acusação de cometer irregularidades com as verbas das enchentes. O resultado, como revela a reportagem da página 84, é, pelo segundo ano, a mesma tragédia com as mesmas famílias.
Num ambiente que reúne imobilismo, incompetência e politização em excesso, o país chegou a 2012 sem poder celebrar um verdadeiro Ano-Novo. É natural, numa democracia, que as decisões do Estado sejam tomadas em bases políticas. Mas é indispensável que a presidente Dilma assuma a responsabilidade de definir que as enchentes são prioridade. Não se está falando, afinal, de nenhum evento inesperado – mas de uma tragédia que tem ocorrido todo ano.
Uma nova investida na Cracolândia
Após três dias de operações da Polícia Militar (PM) na Cracolândia, região de São Paulo mantida em estado deprimente de abandono há duas décadas, cabe registrar um avanço e uma dúvida. É preciso aplaudir toda iniciativa para recuperar territórios liberados para o tráfico e o consumo de drogas, que costumam criar áreas propícias à prática de crimes ainda mais graves a sua volta. Enquanto a legislação proibir o consumo de drogas, o mínimo a esperar é que elas não sejam consumidas.
A dúvida diz respeito aos resultados esperados. Em junho de 2009, houve outra demonstração de força na região, que não deixou saldos aproveitáveis. Em pleno ano eleitoral de 2012, não custa lembrar que as ações pirotécnicas podem gerar benefícios a candidatos apoiados pelo governador Geraldo Alckmin ou pelo prefeito Gilberto Kassab, os padrinhos da ação.
Em 72 horas de atividade, a PM usou até balas de borracha para dispersar 2 mil dependentes de crack que se concentravam em determinadas praças e edifícios abandonados do centro da cidade – e agora se espalharam por outros bairros. Três traficantes foram presos. A polícia abordou 764 pessoas. As assistentes sociais, 209. Dez pacientes foram encaminhados a serviços de saúde. Os serviços de limpeza recolheram pelo menos 10 toneladas de lixo. A prefeitura anunciou que 23 crianças procuraram centros de assistência por conta própria.
Pelos cálculos da PM, a etapa decisiva da operação começará dentro de um mês. Pela estratégia do governo paulista, espera-se que, até lá, tenha sido possível cortar o fornecimento de crack aos usuários. A partir de então, eles serão forçados a procurar tratamento para se curar da insuportável crise de abstinência, segundo o raciocínio de Luiz Alberto Chaves de Oliveira, coordenador de Políticas de Drogas da Secretaria de Justiça e Defesa de Cidadania. "Como é que você consegue fazer o usuário se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Dor e sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda", disse ele. Como sempre ocorre com um assuntoo delicado como dependência de drogas, não chega a surpreender que essa estratégia de "dor e sofrimento" receba críticas severas de diversos tipos de especialista. Para seus adversários, ela pode produzir reações inesperadas e contraproducentes. É mais um motivo para seguir com atenção o que ocorrerá na Cracolândia nos próximos meses. Por enquanto, é louvável que alguém pelo menos tenha se mexido para sanar os problemas da região.
O preconceito contra o menino etíope
Na sexta-feira 30 de dezembro, uma família de turistas espanhóis interrompeu as férias em São Paulo para entrar numa delegacia e fazer uma acusação de racismo. Eles almoçavam no bufê da Nonno Paolo, uma cantina italiana no bairro do Paraíso, quando ocorreu uma cena inesperada. Logo depois que deixaram a mesa para se dirigir ao balcão de alimentos, descobriram que seu filho de 6 anos desaparecera. Alertados por outros clientes, foram para a rua, onde encontraram S.T.C. sozinho, aos prantos. Filho adotivo do casal, ele é negro e nasceu na Etiópia. O pequeno S.T.C. usava roupas caras – entre elas uma camisa oficial do Barcelona. Aos pais, o menino contou que foi apanhado pelo braço por um adulto e colocado para fora do restaurante.
Os policiais encarregados do caso dizem que o pequeno S.T.C. foi vítima "no mínimo" de constrangimento ilegal, crime que consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Descendente de suecos, pele clara e olhos azuis, o delegado Márcio de Castro Nilsson, que dirige o inquérito, pergunta: "Será que teria havido o mesmo constrangimento se o menino fosse loiro, de olhos claros?".
Na fase atual da investigação, tenta-se esclarecer esse ponto. Num de seus parágrafos, o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro descreve o que aconteceu no restaurante, como "recusar atendimento" e "impedir acesso" a locais públicos, como "injúria racial". A pena nos dois casos é leve: três meses de prisão ou uma multa.
Numa explicação formulada com o auxílio de um advogado, o restaurante conta uma história diferente. Diz que o menino só foi abordado porque os funcionários ficaram preocupados com sua segurança. Isso porque, na versão do restaurante, ele estava de pé, andando entre aquecedores a gás, o que poderia provocar um acidente. Como o meninoo fala português, não pôde compreender o que lhe diziam e foi embora por conta própria.
Essa versão teria mais credibilidade se todos os meninos que frequentam a Nonno Paoloonde adultos e crianças confraternizam em torno de pratos variados de massa, carne e pizzas – fossem levados para a rua sempre que passassem perto de algum aquecedor fumegante para pegar um prato de espaguete. O caso só chegou à delegacia graças à intervenção de uma tia-avó do menino, Aurora Costales, de 77 anos, viúva, espanhola de nascimento, há décadas no Brasil. Ao tomar conhecimento do que se passara, Aurora voltou ao restaurante em companhia de sua sobrinha, Cristina Costales, mãe de S.T.C., e do próprio garoto. Ela cobrou explicações na frente dos clientes e só se retirou – para ir à delegacia – depois que um parente dos proprietários admitiu ter levado S.T.C. para fora. Esse parente lembrou que, como em outros restaurantes, ali também se costuma impedir a entrada de meninos de rua, com receio de constranger os clientes.
Época - 10/01/2012
 

Chovendo no molhado
As tragédias do Ano-Novo se repetem num tempo em que não se pode falar em falta de verbas
REDAÇÃO ÉPOCA
Os brasileiros já aprenderam que o ano pode ser novo, mas a tragédia é sempre velha. Com a pontualidade dos fogos de artifício, as enchentes chegaram a diversos pontos do país no início de 2012. Em Minas Gerais, 87 cidades foram colocadas em situação de emergência. No noroeste fluminense, o quilômetro 120 da BR-356 não resistiu à força da correnteza do Rio Muriaé e, após o rompimento de um dique, um pedaço da estrada foi levado pelas águas, obrigando centenas de famílias a evacuar suas casas. Até o fechamento desta edição, havia oito mortos pelas águas.
Um ano depois de enfrentar, em 2011, a maior catástrofe natural de sua história, seria razoável imaginar que o governo Dilma Rousseff quisesse iniciar o segundo ano de mandato com cautela e eficiência. Nem o ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, principal responsável pelos recursos contra enchentes, estava de serviço.
O aspecto desagradável dos problemas revelados pela enxurrada da semana passada é que são dificuldades conhecidas e males já diagnosticados. A maior novidade é que, com a estabilidade econômica e em crescimento econômico prolongado, não se pode mais falar em falta de verbas. O dinheiro está sobrando – literalmente. Se, em 2011, podia gastar R$ 2,5 bilhões do Orçamento para combater as enchentes, o governo deixou R$ 529 milhões no cofre. No item das obras de pequeno vulto para drenagens, não se gastaram 20% dos R$ 124 milhões disponíveis.
Como Fernando Bezerra é provável candidato a prefeito no Recife no final do ano, com o apoio do governador Eduardo Campos, um dos principais cabos eleitorais de Dilma no Nordeste, Pernambuco foi apontado como principal destinatário em verbas contra enchentes em 2011. É certo que Bezerra assegurou um tratamento preferencial a seu Estado, que recebeu R$ 34 milhões. Também é certo que uma das pragas que infestam o Estado brasileiro é o tratamento camarada a aliados políticos ou partidários. Mas não seria justo atribuir apenas a Bezerra a responsabilidade pela tragédia causada pelas enchentes.
Os recursos emergenciais enviados ao Rio de Janeiro no início de 2011, após a tragédia que fez 900 mortes, chegaram a R$ 70 milhões – e ainda podem crescer. A questão, como sempre, não está no tamanho das verbas destinadas a cada Estado. Está em como o dinheiro é empregado. Em Pernambuco, o governador, Eduardo Campos, procurou justificar o uso dos recursos federais e estaduais com obras que deverão ter lá seu papel no combate às inundações. No Rio de Janeiro, pelo visto, não foi só a água das chuvas que desceu pelos ralos. Até agora, dois prefeitos, de Nova Friburgo e Teresópolis, um do PT, outro do PT do B, perderam o cargo sob acusação de cometer irregularidades com as verbas das enchentes. O resultado, como revela a reportagem da página 84, é, pelo segundo ano, a mesma tragédia com as mesmas famílias.
Num ambiente que reúne imobilismo, incompetência e politização em excesso, o país chegou a 2012 sem poder celebrar um verdadeiro Ano-Novo. É natural, numa democracia, que as decisões do Estado sejam tomadas em bases políticas. Mas é indispensável que a presidente Dilma assuma a responsabilidade de definir que as enchentes são prioridade. Não se está falando, afinal, de nenhum evento inesperado – mas de uma tragédia que tem ocorrido todo ano.
Uma nova investida na Cracolândia
Após três dias de operações da Polícia Militar (PM) na Cracolândia, região de São Paulo mantida em estado deprimente de abandono há duas décadas, cabe registrar um avanço e uma dúvida. É preciso aplaudir toda iniciativa para recuperar territórios liberados para o tráfico e o consumo de drogas, que costumam criar áreas propícias à prática de crimes ainda mais graves a sua volta. Enquanto a legislação proibir o consumo de drogas, o mínimo a esperar é que elas não sejam consumidas.
A dúvida diz respeito aos resultados esperados. Em junho de 2009, houve outra demonstração de força na região, que não deixou saldos aproveitáveis. Em pleno ano eleitoral de 2012, não custa lembrar que as ações pirotécnicas podem gerar benefícios a candidatos apoiados pelo governador Geraldo Alckmin ou pelo prefeito Gilberto Kassab, os padrinhos da ação.
Em 72 horas de atividade, a PM usou até balas de borracha para dispersar 2 mil dependentes de crack que se concentravam em determinadas praças e edifícios abandonados do centro da cidade – e agora se espalharam por outros bairros. Três traficantes foram presos. A polícia abordou 764 pessoas. As assistentes sociais, 209. Dez pacientes foram encaminhados a serviços de saúde. Os serviços de limpeza recolheram pelo menos 10 toneladas de lixo. A prefeitura anunciou que 23 crianças procuraram centros de assistência por conta própria.
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Na sexta-feira 30 de dezembro, uma família de turistas espanhóis interrompeu as férias em São Paulo para entrar numa delegacia e fazer uma acusação de racismo. Eles almoçavam no bufê da Nonno Paolo, uma cantina italiana no bairro do Paraíso, quando ocorreu uma cena inesperada. Logo depois que deixaram a mesa para se dirigir ao balcão de alimentos, descobriram que seu filho de 6 anos desaparecera. Alertados por outros clientes, foram para a rua, onde encontraram S.T.C. sozinho, aos prantos. Filho adotivo do casal, ele é negro e nasceu na Etiópia. O pequeno S.T.C. usava roupas caras – entre elas uma camisa oficial do Barcelona. Aos pais, o menino contou que foi apanhado pelo braço por um adulto e colocado para fora do restaurante.
Os policiais encarregados do caso dizem que o pequeno S.T.C. foi vítima "no mínimo" de constrangimento ilegal, crime que consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Descendente de suecos, pele clara e olhos azuis, o delegado Márcio de Castro Nilsson, que dirige o inquérito, pergunta: "Será que teria havido o mesmo constrangimento se o menino fosse loiro, de olhos claros?".
Na fase atual da investigação, tenta-se esclarecer esse ponto. Num de seus parágrafos, o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro descreve o que aconteceu no restaurante, como "recusar atendimento" e "impedir acesso" a locais públicos, como "injúria racial". A pena nos dois casos é leve: três meses de prisão ou uma multa.
Numa explicação formulada com o auxílio de um advogado, o restaurante conta uma história diferente. Diz que o menino só foi abordado porque os funcionários ficaram preocupados com sua segurança. Isso porque, na versão do restaurante, ele estava de pé, andando entre aquecedores a gás, o que poderia provocar um acidente. Como o meninoo fala português, não pôde compreender o que lhe diziam e foi embora por conta própria.
Essa versão teria mais credibilidade se todos os meninos que frequentam a Nonno Paoloonde adultos e crianças confraternizam em torno de pratos variados de massa, carne e pizzas – fossem levados para a rua sempre que passassem perto de algum aquecedor fumegante para pegar um prato de espaguete. O caso só chegou à delegacia graças à intervenção de uma tia-avó do menino, Aurora Costales, de 77 anos, viúva, espanhola de nascimento, há décadas no Brasil. Ao tomar conhecimento do que se passara, Aurora voltou ao restaurante em companhia de sua sobrinha, Cristina Costales, mãe de S.T.C., e do próprio garoto. Ela cobrou explicações na frente dos clientes e só se retirou – para ir à delegacia – depois que um parente dos proprietários admitiu ter levado S.T.C. para fora. Esse parente lembrou que, como em outros restaurantes, ali também se costuma impedir a entrada de meninos de rua, com receio de constranger os clientes.

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