terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Revista Época

O encantador de poderosos

Gabriel Chalita - Cachoeirense
Nasceu na minha cidadezinha de Cachoeira Paulista -
Ká Rodrigues Alves
Cachoeira Paulista - Interior de São Paulo

O deputado Gabriel Chalita conquistou a presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral, cultiva o afeto do governador paulista Geraldo Alckmin e agora virou pupilo do vice Michel Temer. Suas amizades serão suficientes para levá-lo à prefeitura de São Paulo?



RICARDO MENDONÇA
O envolvimento de Gabriel Benedito Issaac Chalita com o mundo da política começou de forma inesperada. Foi aos 15 anos de idade, paramentado de noviço, ao improvisar uma missa no pequeno e pacato município de Bananal, interior de São Paulo. A cidadezinha do Vale do Paraíba é tão tranquila que seu maior atrativo é um chafariz do século XIX espetado na praça principal. No início dos anos 1980, a região costumava receber o então governador, André Franco Montoro, para descansar. Católico, Montoro gostava de ir à missa. Num de seus fins de semana na cidade, o vigário morreu. Como não havia ninguém para substituí-lo, o bispo escalou um adolescente que se destacava no seminário pela expressão verbal esfuziante. Era o jovem Gabriel Chalita.

Por não ter sido ordenado ainda, Chalita só não poderia fazer a consagração. “Quando subi ao altar, o Montoro tomou um susto”, diz. “Ficou perplexo com a imagem daquela criança no lugar do padre.” Ao ouvir a pregação do adolescente, o governador ficou ainda mais impressionado. “Ele voltou para me ver em todas as celebrações e ficou insistindo para eu ir trabalhar com ele. Passamos a trocar correspondência. Depois, fui seu assistente na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Foi meu segundo pai”, afirma. A semente estava plantada. Três anos depois, Chalita largou a batina. Aos 19 anos, filiado ao PDT, foi eleito vereador em sua cidade natal, Cachoeira Paulista.
O poeta inglês William Wordsworth celebrizou a máxima “o menino é o pai do homem”. Cotejando o episódio acima com sua trajetória posterior, é inevitável concluir que Chalita acabou se tornando uma das mais perfeitas traduções do adágio. O adolescente que já quis ser padre virou o deputado federal mais identificado com a Igreja Católica no Congresso Nacional. O menino que seduziu Montoro continuou encantando políticos ao longo da vida. Mais tarde – e para ficar só nos nomes que, hoje, têm poder e influência – tornou-se amigo íntimo de Geraldo Alckmin, atual governador, e ganhou a confiança de Dilma Rousseff, presidente da República. Sua mais recente conquista é o vice-presidente, Michel Temer (fotos abaixo). Se Montoro era seu “segundo pai”, Temer virou uma espécie de tutor político – o qual, no mesmo PMDB de Montoro, quer lhe garantir condições políticas para disputar e vencer a eleição pela prefeitura de São Paulo.
O dialeto "Chalitês" (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA, JF Diorio/AE e Filipe Araújo)

O ingresso de Chalita no PMDB foi triunfante. Num ensolarado sábado de junho, a Assembleia Legislativa de São Paulo lotada ouviu uma sequência de discursos de peemedebistas que o aclamaram como uma espécie de redentor da seção paulista da legenda. Eles saudaram o 80o deputado do partido como “o homem que vai resgatar a história do PMDB”, “honrar os legados de Orestes Quércia e Ulysses Guimarães” ou “reacender a chama do PMDB no Estado”. Além de Temer, estavam presentes dois ministros, senadores, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), outros 25 deputados federais, dezenas de estaduais e mais de uma centena de prefeitos e vereadores. Até político do Amapá apareceu para prestigiar.
O entusiasmo de Temer com Chalita tem duas explicações. Estrategicamente, é uma forma de recuperar o terreno perdido no Estado. Em seu auge, em 1988, o PMDB chegou a ter 29 dos então 60 deputados paulistas. Depois, caiu ano a ano até virar um nanico regional. Em 2010, mesmo com Temer como vice de Dilma, a sigla elegeu só um dos agora 70 deputados paulistas. A filiação de Chalita, portanto, já dobrou a bancada. Outra explicação – essa mais citada entre os políticos – é inconfessável: fortalecer o partido regionalmente para cavar espaço no plano federal. Nesse cálculo entram eventuais armistícios na campanha, a possibilidade de troca de apoios no segundo turno e, no limite, até uma desistência precificada em tempo de TV, hipótese cada vez mais remota.
Outro aspecto que encanta o PMDB é o desempenho eleitoral de Chalita. Em 2008, estreante na capital e ainda no PSDB, ele foi o vereador mais votado, com mais de 100 mil votos. Em 2010, pelo PSB, conseguiu quase 600 mil votos para deputado federal, o terceiro mais votado do país, atrás apenas de Tiririca (PR-SP) e Anthony Garotinho (PR-RJ), que já foi governador e candidato à Presidência. Chalita teve votos nos 645 municípios paulistas. Instalado no PMDB, sua primeira ação foi chamar a jornalista Lurian Cordeiro da Silva para a pré-campanha. Lurian é filha de Lula. No meio político, esse ato serviu para sanar dúvidas de quem ainda achava que Chalita pudesse estar de brincadeira.


COM DILMA E OS BISPOS


Além de deputado, Chalita também gosta de ser tratado como professor, escritor, advogado e filósofo. Em toda a sua carreira política, docente e literária, ele sempre manteve forte vínculo com a Igreja Católica, em especial com a Canção Nova, uma associação de fiéis que virou a maior atração turística de Cachoeira Paulista. Criada em 1978 pelo monsenhor Jonas Abib, um religioso popular na região, a Canção Nova tornou-se uma potência. É dona de um ginásio para 70 mil pessoas (mais que o dobro da população da cidade), auditórios, lojas, restaurante e um sistema de comunicação que administra concessões, grava CDs e DVDs, edita livros, mantém um portal, produz e veicula programas de rádio e TV. É ali que Chalita comanda, há anos, um talk show semanal. Erguida com ajuda financeira de seu pai, um comerciante de origem árabe que começou pobre e virou o homem mais rico da cidade – em Cachoeira há até loteamento popular chamado Vila Chalita –, a Canção Nova ainda é uma das principais bases eleitorais do deputado.
Uma amostra da forte ligação de Chalita com o catolicismo foi sua agenda de campanha. Nos últimos 60 dias antes da eleição, Chalita percorreu pelo menos 34 paróquias ou grupos de oração de diversos municípios para rezar e ser visto. Em quase todas as missas, subiu ao altar para auxiliar os padres. Centenas de imagens do período estão no Flickr, um site de armazenamento de fotos usado na campanha (fotos abaixo). No dia 5 de setembro, a menos de um mês do pleito, Chalita participou de missas em pelo menos quatro paróquias. No álbum, há imagens de distribuição de panfletos na porta de igrejas. O slogan era Fé na educação.
“Nenhum outro parlamentar tem a imagem tão associada ao catolicismo quanto Chalita”, diz o analista político Gaudêncio Torquato. E foi justamente por essas relações que ele se aproximou da presidente Dilma. No segundo turno de 2010, quando rivais tentaram associar a imagem de Dilma ao aborto e a posições antirreligiosas, estrategistas do PT escalaram Chalita para neutralizar os ataques. Os pedidos partiram do agora ministro Gilberto Carvalho e do ex-ministro Antonio Palocci. Já eleito, Chalita atendeu ao apelo com disciplina. Defendeu Dilma publicamente, acompanhou-a em comícios – o que rendia imagens para os telejornais – e articulou encontros reservados com bispos de vários Estados. Chalita calcula que intermediou conversas de Dilma com mais de 30 bispos. A imagem mais forte do período é do dia 11 de outubro, quando ele se sentou ao lado de Dilma numa missa em Aparecida.


34 missas em 2 meses (Foto: Artur Garção (2), Nelson Aguilar (4))

A conquista de Dilma teve um preço. Chalita ganhou um inimigo dentro da igreja: o bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, um antipetista declarado que estava engajado em colocar o tema aborto na pauta eleitoral. Dias antes da eleição, Chalita e Bergonzini trocaram desaforos por telefone, com acusações de traição e oportunismo. “Ele estava muito nervoso. Disse que eu não deveria apoiar a Dilma, citou o boato que eu estava apoiando em troca de um ministério”, disse Chalita a ÉPOCA em 2010. Meses depois, ao jornal Valor Econômico, Bergonzini confirmou a diatribe. “Já falei na cara dele, não tenho medo: para mim (Chalita) não é pessoa confiável. Ele usou a Canção Nova para se eleger e provocou uma cisão por lá ao apoiar Dilma. Isso contrariou nossa filosofia religiosa.” Num blog, Bergonzini classificara Chalita como “um acidente de percurso, gerado por ambições e vaidades pessoais”.
Chalita não virou ministro, mas o balanço de seu engajamento foi politicamente positivo. Ele passou a ser um dos únicos parlamentares do país – senão o único – com excelente trânsito com Dilma e Alckmin simultaneamente. São laços que agora podem lhe beneficiar na eleição municipal. Numa eventual disputa acirrada com o petista Fernando Haddad, os marqueteiros do PT teriam dificuldade para combatê-lo. Como atacar alguém que foi tão solícito a Dilma quando o PT precisou?
Das relações políticas de Chalita, a mais forte continua sendo com Alckmin, também conhecido pela tenaz militância católica. No fim de 2010, o vigor dessa proximidade ficou evidente. Chalita acabara de ser eleito deputado pelo PSB. Mesmo assim, exerceu mais influência que o ex-governador José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na montagem do governo tucano. Serra e FHC intercederam pela manutenção de Paulo Renato Souza na Secretaria da Educação.
Alckmin preferiu ignorá-los e, depois de ouvir Chalita, nomeou Herman Voorwald, ex-reitor da Unicamp. Na pasta do Desenvolvimento Social, as digitais de Chalita ficaram ainda mais evidentes. O escolhido foi um ex-assessor seu, o jovem advogado Paulo Barbosa, também militante da Canção Nova. Tido como uma espécie de discípulo de Chalita na administração, Barbosa acabou promovido para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em maio de 2011, quando Alckmin resolveu entregar a pasta do Desenvolvimento Social ao DEM.
Alckmin e Chalita se conheceram quando o atual governador ainda era deputado. Acostumado a receber pedidos de emprego por onde passava, Alckmin demonstrava admiração crescente por Chalita a cada convite frustrado que fazia ao então estudante de Direito. “Ajudava o Alckmin nas campanhas, mas não queria ir trabalhar para ele, porque ganhava muito mais com aulas e escrevendo livros”, diz Chalita. “Mas cada convite que recusava, ele balançava a cabeça e dizia: ‘Gente, que desapego tem esse rapaz’.”

SALÁRIO DE EXECUTIVO E MOTORISTA À DISPOSIÇÃO

Nessa fase, início dos anos 1990, Chalita despontava como um profissional de sucesso na educação privada. É um período pouco conhecido de sua carreira. Quando deixou Cachoeira, ele passou a fazer bicos em São Paulo para pagar a faculdade. Depois de uma breve passagem pelo Colégio Santa Cruz, virou professor substituto e instrutor de teatro no Pueri Domus, outra tradicional escola particular paulistana. Ali, com poucos meses de serviço, teve uma ascensão espetacular. Saltou de professor iniciante para diretor máximo da instituição, algo que causou surpresa entre os alunos e perplexidade entre os professores.
Tudo começou quando a dona da escola, Beth Zocchio, resolveu ouvir uma palestra do jovem professor, que, naquele instante, já era bem popular. Beth, segundo o próprio Chalita, ficou entusiasmadíssima com sua performance e o adotou como pupilo. “Ela se apresentou como dona da escola – eu nem a conhecia –, me deu parabéns e perguntou quanto tempo eu precisava para preparar um novo projeto pedagógico para o Pueri, que vinha perdendo alunos. Pedi uma semana”, diz. Dias depois, Chalita foi apresentar suas ideias à diretoria. “Foi um dos piores momentos que já passei. Enquanto falava, aqueles professores muito mais experientes franziam a testa e balançavam a cabeça em rejeição. No fim, fui bombardeado. Aí a Beth pediu a palavra, disse que esperava uma postura diferente, demitiu todo mundo e disse que eu seria o novo diretor. Fui eu que falei para ela que não precisava demitir todo mundo. No final, uns quatro acabaram saindo.”
Foi assim, com 25 anos, que Chalita virou executivo do ramo educacional. Passou a receber o que ele mesmo estima que deveria ser o maior salário do país nesse mercado, cerca de US$ 20 mil por mês. Beth Zocchio colocou um motorista a sua disposição, passou a levá-lo para eventos sociais, congressos e viagens para o exterior. Dava-lhe carta branca para administrar a escola e patrocinava banhos de loja para melhorar sua aparência. “Ela me levava na Daslu, dizia que eu tinha de me vestir melhor, e gastava uma fortuna em roupas para mim”, afirma.
A educadora Mariluce Lourenço, ainda hoje na escola, define a passagem de Chalita pelo Pueri Domus “como um furacão”. “Chalita era um showman. Com aquela capacidade de comunicação assustadora, entusiasmava muito os jovens”, diz. “Mas ele realmente causava um pouco de ciúme em algumas pessoas. A Beth dava muita corda para ele.” A relação Beth-Chalita terminou quando, segundo ele, a dona da escola parou de bancar suas ideias para investir na criação de avestruzes. De acordo com Mariluce, Chalita saiu sem conseguir implementar seu plano mais ambicioso: transformar o Pueri numa faculdade.
Quando o vice Alckmin assumiu o governo de São Paulo após a morte de Mário Covas, em 2001, sua relação com Chalita transbordara para a esfera pessoal. Chalita já conhecia a primeira-dama Lu Alckmin – de quem mais tarde escreveria uma biografia – e frequentava a casa de campo do casal, onde tinham o hábito de jogar buraco. Surgiu então o convite para virar secretário de Estado, este sim logo aceito. Chalita começou na modesta pasta da Juventude. Seis meses depois, recebeu outra promoção espetacular. Foi escalado para a Educação, um dos cargos mais cobiçados do Estado. Aos 32 anos, assumiu um orçamento de R$ 19,7 bilhões (o equivalente ao do município do Rio de Janeiro), 4,5 milhões de alunos, 220 mil professores e 5.300 escolas, em números atualizados. Se fosse uma cidade, teria a terceira maior população do país. De brinde, ainda levou para a Secretaria a antiga Febem, foco de algumas das maiores crises no Estado, com rebeliões de jovens e constantes denúncias de violação de direitos humanos.
Quando o Márcio Thomaz Bastos entrou na Febem? E a Marta Suplicy, que não cuida dos 4 mil jovens em liberdade assistida? São paladinos da moralidade. A demagogia é assustadora"
GABRIEL CHALITA, no comando da antiga Febem, em 2003, num dos raros momentos em que abandonou a imagem de bom moço
Na Febem, Chalita teve o mérito de fechar a sede de Franco da Rocha, uma das mais problemáticas da instituição. Foi ali que, pela primeira vez, deixou de lado uma das principais marcas de seu comportamento público, o bom moço. Acuado pela agenda negativa, passou a reclamar do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criticar ONGs e a bater boca pelos jornais. Em agosto de 2003, atacou militantes dos direitos humanos. “Essas pessoas nada fazem, só têm discurso. Alguma vez conseguiram emprego para algum egresso da Febem? Só querem ver o circo pegar fogo”, disse. Dias depois, atirou para cima: “Vejo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, falando que a grande questão é resolver a Febem. Pergunto: quando Márcio Thomaz Bastos entrou na Febem? E a prefeita Marta Suplicy, que não cuida dos 4 mil jovens em liberdade assistida? São paladinos da moralidade. A demagogia é assustadora”.
Quando o tema era educação, o secretário Chalita era o oposto disso. Uma de suas marcas no cargo foi o ciclo de palestras que ele próprio fazia para professores, diretores e pais de alunos em ginásios e auditórios pelo interior. Com o apoio logístico da Secretaria, que incluía aluguel de jatinhos e helicópteros, Chalita conseguiu visitar as então 89 diretorias de ensino do Estado, algumas mais de uma vez. Esses eventos chegavam a reunir mais de 1.000 pessoas por edição e quase sempre eram prestigiados por prefeitos e vereadores da sede e municípios vizinhos.

ARISTÓTELES E MARIA BETHÂNIA

No palco, o secretário Chalita falava de suas experiências pessoais, comparava a relação aluno-professor a um casamento e dava dicas de como melhorar o ensino com atitudes simples, como chamar o aluno pelo nome ou olhar em seus olhos quando conversa. Nesses eventos, ele também exercia uma de suas maiores especialidades: fazer citações. Seu repertório é eclético. Num mesmo texto ou discurso, é capaz de conectar Aristóteles com Maria Bethânia, Cora Coralina com Hannah Arendt, Adélia Prado com Churchill. O ponto alto era quando chegava a hora de cantar. Ao microfone, costumava interpretar “A noite de meu bem”, sucesso de Dolores Duran nos anos 1950. Pedia ainda que cada um ficasse de pé no verso que julgasse mais belo. Conforme cantava, ondulações humanas eram formadas no ginásio. No final, posava para fotos e dava autógrafos.
Para o educador Romualdo Portela, Chalita não enfrentou o que ele classifica como o maior problema do setor em São Paulo: o aprendizado. “Ao contrário dos demais gestores do PSDB, ele não dava muita importância para avaliações e resultados. Foi uma gestão de descontinuidade”, diz. Portela é crítico das ideias educacionais de Chalita. “Ele era popular, muito performático e certamente foi o secretário mais simpático entre todos os do PSDB. Muitos ficavam encantados com aquilo. Mas tratava os professores como verdadeiros idiotas, com aquele discurso de amor, autoajuda.” O indicador mais apropriado para medir os anos Chalita é o Sistema de Avaliação da Educação Básica, que mostra o desempenho de alunos em português e matemática nas séries finais dos ensinos fundamental e médio. Em nenhum caso houve retrocesso no período Chalita. Mas também não houve avanço digno de registro.
Hoje, Chalita admite que aquelas palestras explicam parte de seu sucesso eleitoral. Na época, elas resultaram em denúncia. Quando já havia voado para 28 cidades, o Ministério Público questionou os aluguéis de helicópteros sem licitação. As contratações tinham mais que dobrado em relação à gestão anterior. A Secretaria respondeu que os valores de cada contrato eram inferiores ao mínimo da Lei de Licitações, R$ 8 mil. A explicação não convenceu o Tribunal de Contas, que classificou a prática como “fracionamento de licitação” (contratação constante da mesma empresa sem concorrência). Irritado, Alckmin decidiu restringir o uso de aeronaves entre os secretários.
A gestão Chalita enfrentaria outros dois constrangimentos. O primeiro foi em 2004, quando Alckmin cedeu uma fazenda de 87 hectares em Lorena para a Canção Nova. A área, equivalente a 100 campos de futebol, era cobiçada por uma faculdade ligada à Secretaria de Ciência e Tecnologia e pelo Instituto de Terras do governo, que queria usá-la para reforma agrária. Quando o caso veio a público, o diretor da faculdade acusou Chalita de ter influído na decisão. Tanto Alckmin quanto a Canção Nova tiveram de negar.
O segundo constrangimento foi em 2006, em seu último ano de gestão. Auditores da Controladoria-Geral da União desembarcaram na Secretaria para verificar o uso de verbas federais. Detectaram irregularidades na contratação de fundações e compras com preços superiores aos pagos por outros setores estatais, como cartuchos de impressora pelo dobro do preço. A papelada foi para o Ministério Público e para o Ministério da Educação. Não há notícia de nenhum tipo de condenação.
Nas relações políticas, Chalita faz esforço para estar sempre bem com todos. Seu método de aproximação é pela via dos elogios imoderados – um estilo “chalitês” de se expressar. No PSB, repetia que tinha “profunda admiração” por Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do partido. Pela deputada federal Luiza Erundina, tinha “verdadeiro fascínio” (“Ela é a mulher que colocou Paulo Freyre na Secretaria da Educação”, completava, automaticamente). No PMDB, o estilo continua. Desde o início, Temer tem sido constantemente descrito como “o homem que me inspirou a estudar Direito”. No dia de sua filiação, Chalita caprichou nas manifestações de louvor. Em sua vez de discursar, olhou para o deputado estadual Baleia Rossi, presidente do diretório estadual da sigla, e disse que, naquele período de troca partidária, conquistara “um irmão”. Baleia é filho do ex-ministro Wagner Rossi, cacique do PMDB que deixou a pasta da Agricultura após denúncias de corrupção. Chalita olhou então para Wagner Rossi, sentado ao lado de Temer, e, sorrindo, emendou, em chalitês castiço: “O Wagner virou meu pai”.


A OBRA Chalita em seu escritório, em São Paulo, com os 63 livros que escreveu e outros 37 que organizou ou prefaciou. Sua fértil produção literária é criticada pelos rivais (Foto: Marisa Cauduro/ÉPOCA)
 
AMBIÇÃO ACADÊMICA
No meio político, um dos estigmas que mais perseguem Chalita diz respeito a sua fértil produção literária. Aos 42 anos, ele já publicou 63 livros. Para os críticos, ele privilegia a quantidade em detrimento da qualidade. Chalita se defende fazendo comparações: “Boa parte de meus livros é infantil, com ilustrações e pouco texto, coisas que escrevo em 15 minutos. Quantos livros a Ruth Rocha (autora consagrada de infantis) tem?”. O que parece deixá-lo ainda mais irritado é a classificação de suas obras como literatura de autoajuda. “No Brasil, é assim: vendeu bem, vira autoajuda. Paulo Coelho é autoajuda. Até Lya Luft virou autoajuda.”
Com o apoio de canais não convencionais, como a Canção Nova, ele calcula que já vendeu 10 milhões de livros. São esses números, diz, que ajudam a justificar seu padrão de vida sofisticado. Ele ainda é sócio da Casa do Saber, um centro extra-acadêmico de cursos variados, e diz ter sido beneficiado com parte da herança do pai. À Justiça Eleitoral, Chalita declarou patrimônio de R$ 12,4 milhões em 2010. Sua cobertura em Higienópolis, bairro paulistano de classe alta, tem 1.000 metros quadrados e aparece avaliada em R$ 4 milhões.
Chalita tem defensores qualificados no mundo das letras. O maior é a escritora Lygia Fagundes Telles, que o classifica como um homem “cultíssimo, inteligentíssimo, rico e bonito”. Para Lygia, as críticas à literatura de Chalita são injustas. “Sou admiradora do texto dele. É bastante original o que ele escreve. Escreve com muita força, com muito conhecimento da matéria”, diz.
Lygia é uma das melhores amigas de Chalita. A relação começou quando ele ainda era secretário de Educação e cuidou pessoalmente da organização de uma homenagem à escritora na Sala São Paulo, a sede da Orquestra Sinfônica do Estado. Chalita lotou o auditório com estudantes da rede pública e preparou uma apresentação de balé com três garotas da periferia que, no palco, representavam as personagens do livro mais importante de Lygia, As meninas. “Saí em prantos”, diz a escritora. Desde então, Chalita não cansa de lhe prestar homenagens. Em eventos sociais, tem o hábito de abraçá-la espalhafatosamente e chamá-la – em mais uma manifestação do dialeto chalitês – de “minha noiva”. Segundo relatos de quem já viu a cena, isso deixa a autora visivelmente envaidecida.
Se tem algo que não falta à obra de Chalita, é a tentativa de experimentação. Seu livro mais recente, Sócrates e Thomas More – Correspondências imaginárias, prova isso. Em 130 páginas, um Chalita travestido de Sócrates, o filósofo grego morto em 399 a.C., troca cartas com um Chalita travestido de Thomas More, o escritor inglês do século XVI. Nas missivas, o que prevalece mesmo é o estilo Chalita. Exemplo: “Fiquei impressionado com a maturidade de sua carta e com o seu bom texto”, diz Chalita para Chalita, ou melhor, More para “o querido Sócrates” numa das cartas. Percebe-se até certa simbiose entre o político e o escritor: a obra é dedicada a Temer.

A ambição acadêmica de Chalita parece ainda mais evidente que a literária. Em textos, ele raramente deixa de citar seus títulos: graduado em Direito e em filosofia; mestre em Direito e em ciências sociais; doutor em Direito e em comunicação e semiótica. Na Plataforma Lattes, banco de dados curriculares alimentado pelos próprios acadêmicos, o currículo do filósofo Gabriel Chalita é, em caracteres, 42% maior que o do filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo, 20 anos mais velho, tido como um dos mais produtivos do meio. Ali, além dos mais de 100 livros que escreveu, organizou ou prefaciou, Chalita lista 164 artigos, participação em 94 dissertações e 22 teses de doutorado, 239 palestras e nove orientações de mestrado.
Hoje, ninguém arrisca afirmar que Chalita entrará na disputa eleitoral com chance evidente de vencer. Mas quase todos concordam que sua presença será decisiva. Em 2008, o tempo de TV do PMDB foi fundamental para o triunfo de Gilberto Kassab. Agora, dependendo das alianças, Chalita pode ter a maior fatia do horário eleitoral. Há alguns dias, o senador Aécio Neves sugeriu que o PSDB poderia apoiar Chalita, indicando seu vice. A ideia foi abominada por tucanos paulistas, que refutam a hipótese de ajudar um aliado de Dilma.
No PT, a dificuldade para decifrá-lo parece semelhante. Por acreditar que Chalita possa seduzir eleitores que, em tese, tenderiam mais para o PSDB (conservadores, religiosos e de classe média), há petistas que veem sua candidatura com simpatia. Alguns ainda sonham colocá-lo como vice de Haddad. Outros não querem nem ouvir falar no assunto. Temem, sobretudo, por causa de sua enorme proximidade com Alckmin.
O que vai acontecer com Chalita em outubro é uma incógnita. O certo é que o noviço que conquistou Montoro não saiu de Cachoeira para passar vexame.
Ricardo Mendonça, autor desta reportagem, no Twitter: @RMendonca09

Site fonte :
http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/01/o-encantador-de-poderosos.html

 

Emagreça usando a internet (trecho)

Os sites de dieta, aplicativos para celular e redes sociais estão transformando a vida de quem faz regime – em vez de um esforço isolado, emagrecer virou uma atividade de grupo, com resultados melhores

LUCIANA VICÁRIA
  
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 9/janeiro/2012.
Blog, fórum, aplicativo – para emagrecer usando a internet, a professora mineira Edna Batista, de 42 anos, ataca em várias frentes do mundo digital. Há um ano e meio, tornou-se usuária de um site de emagrecimento que ajuda a controlar o peso. Por meio dele, Edna calcula as calorias dos alimentos que pre-tende comer, tira dúvidas com nutricionistas e é acompanhada – e incentivada – por centenas de outras pessoas que, como ela, tentam afinar a silhueta. Ainda com a ajuda da internet, passou a manter um diário virtual de sua dieta. Ela digita tudo o que come, e o site, por meio de uma ferramenta de contagem, transforma dados calóricos em pontos. Sem ultrapassar os limites impostos pelo programa, ela manipula as combinações de alimentos leves com calóricos e, assim, não precisa excluir de sua vida sobremesas ou cervejinhas. Quando está insegura sobre os resultados ou deseja compartilhar seu sucesso na balança, entra na comunidade virtual do site de emagrecimento, o Dieta e Saúde, e divide suas dúvidas com outros participantes. O site, cujo programa de regimes on-line custa R$ 89 por trimestre, está no ar há sete anos e já atraiu 150 mil usuários. “Os participantes da comunidade virtual mandam tantas sugestões legais de pratos que consigo economizar calorias durante o dia para comer uma pizza à noite, com os amigos, sem sair da dieta”, diz Edna.
Para você
As dietas on-line podem ser uma boa alternativa para perder peso
Para os médicos
Os estímulo coletivo oferecido da internet pode ser útil aos pacientes
Tanta atividade na seara virtual vem dando resultado no mundo real. Edna pesava 105 quilos quando começou o programa e ho-je está com 20 quilos a menos. Ainda pretende emagrecer outros 10 quilos. Obesa desde a infância, com pais e irmãos igualmente acima do peso, Edna já tentara emagrecer com inibidores de apetite receitados por médicos. Valeu-se também de dietas radicais, como a da sopa e a da proteína, que seguiu por contra própria. Não deu certo. O sacrifício funcionava por um tempo, mas o peso perdido voltava como uma vingança, tão rápido quanto sumira. No auge da obesidade, há pouco mais de um ano, Edna passou dos 100 quilos, com apenas 1,63 metro de altura. “Eu me vi numa foto de casamento e fiquei chocada com o meu tamanho”, afirma. Os conselhos on-line dos nutricionistas, o aplicativo que calcula as calorias e as dicas dos demais internautas foram, em seu caso, eficazes para mudar esse quadro (leia as colunas de Walcyr Carrasco, e Marcio Atalla).

Os programas virtuais de emagrecimento reúnem cerca de 1,5 milhão de brasileiros, de acordo com a contabilidade dos dez maiores sites desse tipo no país. Nos Estados Unidos, onde a onda começou há dez anos, 5 milhões de pessoas já usaram a rede para perder peso. De acordo com uma pesquisa encomendada por ÉPOCA, a dieta virtual se tornou uma espécie de último recurso a que recorre um número cada vez maior de pessoas que, como Edna, não conseguiram perder peso de outra forma. A pesquisa, com 1.113 usuários, mostra que a maior parte dos participantes (85,8%) já experimentou regimes convencionais, mas elegeu a internet por considerá-la a ferramenta mais eficaz e barata do mercado. Quase 20% disseram que, ao fazer dietas com nutricionistas, sentiam dificuldade para esclarecer dúvidas sobre o que podiam ou não comer no dia a dia. Para 65% dos participantes, uma das grandes vantagens do regime on-line é a possibilidade de acompanhar o desempenho dos colegas – e ser acompanhado por eles. O público desse tipo de serviço é majoritariamente feminino (91,8%) e jovem: a maioria (63,1%) tem idade entre 26 e 45 anos. Entre os próprios usuários, levam vantagem os mais conectados. Aqueles que controlam diariamente a alimentação, digitando no diário virtual as calorias ingeridas, emagrecem até sete vezes mais que usuários que só fazem esse controle uma vez por semana – e perdem 1,2 quilo a mais do que quem não tem o costume de subir na balança e fazer planilhas semanais com a evolução de seu peso.

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Revista Época

http://revistaepoca.globo.com/


ÉPOCA – Paulo Moreira Leite

PM ataca estudante. Na USP

Um amigo me ligou para perguntar se eu tinha visto um vídeo onde um PM batia num rapaz negro. Perguntei:
- Na Cracolândia?
- Não. Na USP.
Fui conferir e era verdade. Seria razoável imaginar que, em sua brutalidade cotidiana, a PM avançasse sobre um drogado na Cracolândia. Seria errado mas é assim o jogo.
Olhando o vídeo, pode-se acompanhar o diálogo. Numa atitude típica, que todo paulistano que enfrentou batida na madrugada conhece, um PM pergunta a um rapaz o que ele está fazendo ali. Depois, pede pela carteirinha. Em seguida, parte parte para a porrada.
É vexaminoso. O menino corre, a PM vai atrás, em perseguição. Ouve-se gritos, tapas. Alguns vultos atrapalham a visão. Os dois voltam à tela e mais PMs se juntam à perseguição. Inacreditável.
Os leitores deste blog sabem que eu defendo a presença da PM na USP. Deixei isso claro durante a cobertura da desocupação da reitoria. Minha opinião é que a PM responde pela segurança dos paulistas e não vejo porque não deveria atuar na maior universidade do Estado.
Depois de ver o vídeo, você tem o direito de achar que os estudantes têm razão.
O estudante – mais tarde ele exibiu a carteirinha – não cometeu nenhuma infração. Não há denúncias nem acusações contra ele. Ao pedir uma carteirinha o soldado da PM tentou diminuí-lo. (Caso contrário, teria abordado os demais presentes com a mesma exigência).
Essa atitude diferenciada explica a reação do estudante.
Assista ao vídeo aqui

Pai deixa 28 lições de vida aos filhos antes de morrer




Quando soube que tinha poucos meses de vida por causa de um câncer, o professor de gramática inglês Paul Flanagan só pensou em seus filhos, Thomas e Lucy. Em vez de sentir piedade de si mesmo ou entregar-se à tristeza, ele usou seus últimos dias para tentar ser um bom pai – mesmo à distância. Paul escreveu cartas, deixou mensagens gravadas em DVD e até comprou presentes para ser entregues às crianças em seus aniversários futuros. Separou também seus livros preferidos e, dentro deles, deixou bilhetes dizendo por que havia gostado de lê-los.
Em novembro de 2009, aos 45 anos, Paul morreu por causa do melanoma, deixando a mulher, Mandy, Thomas, então com 5 anos, e Lucy, de 1 ano e meio. Quase dois anos depois, ele continua presente com suas mensagens e fotos espalhadas por toda a casa. E, no mês passado, a família ganhou mais uma lembrança de Paul. Por acaso, Mandy encontrou um documento em seu antigo computador intitulado “Sobre encontrar a realização”. “Abri e, com lágrimas escorrendo pelo meu rosto, descobri que eram seus pontos para viver uma vida boa e feliz”, diz Mandy ao
jornal Daily Mail.
“Quando alguém recebe a notícia de que tem poucos meses de vida, decide que sua vida não vai ser completa se não pular de bungee-jump da Ponte Harbour, em Sidney, ou não tiver visitado o Grand Canyon. Esse não era Paul. Tudo que importava para ele estava bem aqui. Ele viveu e morreu de acordo com suas próprias regras, e sei que encontrou sua própria realização.” Mandy diz que a carta é uma reprodução fiel dos valores e do bom humor de Paul.

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O professor resumiu as reflexões que nortearam seu modo de viver em 28 itens. Traduzo aqui as palavras de Paul para seus filhos – e que agora servem de inspiração não só para eles, mas para todos que as leem.
“Nessas últimas semanas, depois de saber de meu diagnóstico terminal, procurei encontrar em minha alma e em meu coração maneiras de estar em contato com vocês enquanto vocês crescem.
Estive pensando sobre o que realmente importa na vida, e os valores e as aspirações que fazem das pessoas felizes e bem-sucedidas. Na minha opinião, e vocês provavelmente têm suas próprias ideias agora, a fórmula é bem simples.
As três virtudes mais importantes são: lealdade, integridade e coragem moral. Se aspirarem a elas, seus amigos os respeitarão, seus empregadores o manterão no emprego, e seu pai será muito orgulhoso de vocês.
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Estou dando conselhos a vocês. Esses são os princípios sobre o quais tentei construir a minha vida e são exatamente os que eu encorajaria vocês a abraçar, se eu pudesse.
Amo muito vocês. Não se esqueçam disso.




Seja cortês, pontual, sempre diga “por favor” e “obrigado”, e tenha certeza de usar o garfo e a faca de maneira correta. Os outros decidem como tratá-los de acordo com as suas maneiras.
Seja generoso, atencioso e tenha compaixão quando os outros enfrentarem dificuldades, mesmo que você tenha seus próprios problemas. Os outros vão admirar sua abnegação e vão ajudá-lo.
Mostre coragem moral. Faça o que é certo, mesmo que isso o torne impopular. Sempre achei importante ser capaz de me olhar no espelho toda manhã, ao fazer a barba, e não sentir nenhuma culpa ou remorso. Parto deste mundo com a consciência limpa.
Mostre humildade. Tenha a sua opinião, mas pare para refletir no que o outro lado está dizendo, e volte atrás quando souber estar errado. Nunca se preocupe em perder a personalidade. Isso só acontece quando se é cabeça-dura.
Aprenda com seus erros. Você vai cometer muitos, então os use como uma ferramenta de aprendizado. Se você continuar cometendo o mesmo erro ou se meter em problema, está fazendo algo errado.
Evite rebaixar alguém para outra pessoa; isso só vai fazer você ser visto como mau. Se você tiver um problema com alguém, diga a ela pessoalmente. Suspenda fogo! Se alguém importuná-lo, não reaja imediatamente. Uma vez que você disse alguma coisa, não pode mais retirá-la, e a maioria das pessoas merece uma segunda chance.
Divirta-se. Se isso envolve assumir riscos, assuma-os. Se for pego, coloque suas mãos para cima.
Doe para a caridade e ajude os menos afortunados que você: é fácil e muito recompensador.
Sempre olhe para o lado bom! O copo está meio cheio, nunca meio vazio. Toda adversidade tem um lado bom, se você procurar.
Faça seu instinto pensar sempre sempre em dizer ‘sim’. Procure razões para fazer algo, não as razões para dizer ‘não’. Seus amigos vão gostar de você por isso.
Seja gentil: você conseguirá mais do que você quer se der ao outro o que ele deseja. Comprometer-se pode ser bom.
Sempre aceite convites para festas. Você pode não querer ir, mas eles querem que você vá. Mostre a eles cortesia e respeito.
Nunca abandone um amigo. Eu enterraria cadáveres por meus amigos, se eles me pedissem… por isso eu os escolhi tão cuidadosamente.
Sempre dê gorjeta por um bom serviço. Isso mostra respeito. Mas nunca recompense um mau serviço. Um serviço ruim é um insulto.
Sempre trate aqueles que conhecer como seu igual, estejam eles acima ou abaixo de seu estágio na vida. Para aqueles acima de você, mostre deferência, mas não seja um puxa-saco.
Sempre respeite a idade, porque idade é igual a sabedoria.
Esteja preparado para colocar os interesses de seu irmão à frente dos seus.
Orgulhe-se de quem você é e de onde você veio, mas abra a sua mente para outras culturas e línguas. Quando começar a viajar (como espero que faça), você aprenderá que seu lugar no mundo é, ao mesmo tempo, vital e insignificante. Não cresça mais que os seus calções.
Seja ambicioso, mas não apenas ambicioso. Prepare-se para amparar suas ambições em treinamento e trabalho duro.
Viva o dia ao máximo: faça algo que o faça sorrir ou gargalhar, e evite a procrastinação.
Dê o seu melhor na escola. Alguns professores se esquecem de que os alunos precisam de incentivos. Então, se o seu professor não o incentivar, incentive a si mesmo.
Sempre compre aquilo que você pode pagar. Nunca poupe em hotéis, roupas, sapatos, maquiagem ou joias. Mas sempre procurem um bom negócio. Você recebe por aquilo que paga.
Nunca desista! Meus dois pequenos soldados não têm pai, mas não corajosos, têm um coração grande, estão em forma e são fortes. Vocês também são amados por uma família e amigos generosos. Vocês fazem o seu próprio destino, meus filhos, então lutem por ele.
Nunca sinta pena de si mesmo, ou pelo menos não sinta por muito tempo. Chorar não melhora as coisas.
Cuide de seu corpo que ele vai cuidar de você.
Aprenda um idioma, ou pelo menos tente. Nunca comece uma conversa com um estrangeiro sem primeiro cumprimentá-la em sua língua materna; mas pergunte se ela fala inglês!
E, por fim, tenha carinho por sua mãe, e cuide muito bem dela.
Amo vocês com todo meu coração,
Papai”

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A língua que somos, a língua que podemos ser

O que é pior: ser visto como um clichê ou ser ignorado? Como os outros não nos veem – e como nós não vemos os outros de nós. Uma reflexão sobre o Brasil, a literatura e o poder

ELIANE BRUM
ELIANE BRUM Jornalista, escritora e documentarista.
Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem.
É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada.
A alemã Anja Saile é agente literária de autores de língua portuguesa há mais de uma década. Não é um trabalho muito fácil. Com vários brasileiros no catálogo, ela depara-se com frequência com a mesma resposta de editores europeus, variando apenas na forma. O discurso da negativa poderia ser resumido nesta frase: “O livro é bom, mas não é suficientemente brasileiro”. O que seria “suficientemente brasileiro”?
 Anja (pronuncia-se “Ânia”) aprendeu a falar a língua durante os anos em que viveu em Portugal (e é impressionante como fala bem e escreve com correção). Quando vem ao Brasil, acaba caminhando demais porque o tamanho de São Paulo sempre a surpreende e ela suspira de saudades da bicicleta que a espera em Berlim. Anja assim interpreta a demanda: “O Brasil é interessante quando corresponde aos clichês europeus. É a Europa que define como a cultura dos outros países deve ser para ser interessante para ela. É muito irritante. As editoras europeias nunca teriam essas exigências em relação aos autores americanos, nunca”.
Anja refere-se ao fato de que os escritores americanos conquistaram o direito de ser universais para a velha Europa e seu ranço colonizador – já dos brasileiros exige-se uma espécie de selo de autenticidade que seria dado pela “temática brasileira”. Como se sabe, não estamos sós nessa xaropada. O desabafo de Anja, que nos vê de fora e de dentro, ao mesmo tempo, me remeteu a uma intervenção sobre a língua feita pelo escritor moçambicano Mia Couto, na Conferência Internacional de Literatura, em Estocolmo, na Suécia. Ele disse:
- A África tem sido sujeita a sucessivos processos de essencialização e folclorização, e muito daquilo que se proclama como autenticamente africano resulta de invenções feitas fora do continente. Os escritores africanos sofreram durante décadas a chamada prova de autenticidade: pedia-se que seus textos traduzissem aquilo que se entendia como sua verdadeira etnicidade. Os jovens autores africanos estão se libertando da “africanidade”. Eles são o que são sem que se necessite de proclamação. Os escritores africanos desejam ser tão universais como qualquer outro escritor do mundo. (...) Há tantas Áfricas quanto escritores, e todos eles estão reinventando continentes dentro de si mesmos.
Esta conferência de Mia Couto faz parte de um livro de ensaios belíssimo chamado “E se Obama fosse africano?” (Companhia das Letras). Indico com vários pontos de exclamação. Os ensaios de Mia Couto são tão inspiradores quanto seus romances. E o que ele diz sobre a África talvez pudesse ser dito sobre o Brasil, este país que é também um continente. E sobre todo um pedaço do planeta do qual se espera que seja de uma determinada forma.
Se ler um livro é ousar se abrir para o outro, exigir que o outro seja como você o imagina é o avesso da experiência literária. Se os editores europeus esperam que sejamos os outros que querem que sejamos, já não somos os outros, mas o estrangeiro domesticado que mora dentro deles. E assim, com um estrangeiro de estimação habitando o seu imaginário, já não precisam nos estranhar. E com isso perdemos todos. Os leitores europeus – que como nós nada têm de homogêneo e contêm tantas diferenças quanto possível – porque abrem mão de estranhar. E nós porque perdemos a chance sempre rica de que nos estranhem.
Nos Estados Unidos, apenas 3% de todas as obras publicadas foram escritas em outras línguas que não o inglês. Esta ínfima parcela abarca todos os outros idiomas e todos os gêneros, de livros técnicos à ficção. Se formos pensar apenas em literatura e poesia, o porcentual baixa para 0,7%. Não sei se existem estatísticas sobre qual é a fatia da língua portuguesa neste quase nada, mas parece evidente que é insignificante. Na tentativa de reverter o que chama de “shame” (vergonha), a Universidade de Rochester criou, em 2007, um site chamado Three Percent , para debater e divulgar todos esses universos literários que têm quase tanta dificuldade de ultrapassar as fronteiras dos Estados Unidos quanto os imigrantes ilegais. E, mesmo quando superam as barreiras, pouco ou nenhum espaço encontram na imprensa americana.
Uma língua não é apenas um amontoado de palavras que serve para se comunicar, mas um jeito de ser e de estar, de compreender o mundo e a si mesmo, o fora e o dentro. Em cada língua há um universo inteiro, e cada falante a recria a partir de sua experiência. É por isso que a língua é viva e mutante. Se o português falado no Brasil tivesse permanecido o mesmo de cem anos atrás é porque já estaríamos todos mortos. Como disse Fernando Pessoa, nós não habitamos um país, mas uma língua. E aqueles que são os últimos falantes de uma língua morta, porque para ser viva é preciso de um outro que também more nela, tem de renascer em outro idioma para que a vida seja possível. Ninguém vive para além das fronteiras da linguagem.
 
Saber que apenas 3% dos livros publicados nasceram em imaginários outros diz mais dos Estados Unidos do que de todos aqueles que não são vistos por eles. Na grande potência mundial – ainda que em crise – não se trata apenas de uma exigência de estereótipos, como na Europa, já que não há nem mesmo o interesse pelo clichê do outro. No caso dos Estados Unidos, não é necessário fingir estranhamento, já que parecem desconhecer que estranhar é preciso. A experiência de se abrir para a experiência do outro é ignorada. Ignorada como um não saber que há algo ali que vale a pena. Mesmo que faça todo o sentido por qualquer ângulo que se olhe, de Hollywood à política externa americana, ainda assim me parece espantoso que a língua que se impõe sobre o mundo seja também aquela que é fechada para o mundo de (quase) todos os outros. E isso, com certeza, explica muita coisa.
Não saberia dizer o que é pior: se a exigência de um clichê de Brasil também na literatura – o “suficientemente brasileiro” com que Anja Saile se depara no contato com os editores europeus – ou a indiferença até mesmo pelo clichê. Acho que a segunda realidade é mais nefasta, porque ao buscar o outro, ainda que seja pelo lugar comum, existe ao menos o risco de encontrar algo que subverta as expectativas e vire os mundos de ponta-cabeça.
E aqui, mais um pouco de Mia Couto:
- O mesmo processo que empobreceu o meu continente está, afinal, castrando a nossa condição comum e universal de contadores de histórias. (...) O que fez a espécie humana sobreviver não foi apenas a inteligência, mas a nossa capacidade de produzir diversidade. Essa diversidade está sendo negada nos dias de hoje por um sistema que escolhe apenas por razões de lucro e facilidade de sucesso. Os autores africanos que não escrevem em inglês – e em especial os que escrevem em língua portuguesa – moram na periferia da periferia, lá onde a palavra tem de lutar para não ser silêncio.
Quem já viajou à Europa e aos Estados Unidos sabe que é quase impossível encontrar um guia de cidade, museu ou local histórico em português. É preciso se virar com o espanhol, se não souber inglês. No final de 2011, a imprensa deu destaque ao fato de que os brasileiros gastam o dobro do que os outros turistas em Nova York, e muitas lojas já mantêm um vendedor que fala português para facilitar a venda a clientes tão promissores. A economia está colocando a nossa língua pelo menos na boca de garçons e balconistas pelos circuitos turísticos do mundo rico em tempos de crise.
Será que o lugar de potência emergente conquistado pelo Brasil vai aumentar o interesse pela nossa literatura ou pelo nosso modo de ser? A nova posição do país no cenário internacional já começa a produzir novos clichês não só do mundo sobre o Brasil – mas do Brasil sobre si mesmo. O marketing e a propaganda estão aí para provar como se transforma imagem em verdade. Acredito que o estudo dos novos clichês que estão sendo produzidos fora e dentro do Brasil, sobre o Brasil, seja um caminho bem fascinante para compreendermos o momento vivido.
Isso me faz virar o olhar pelo avesso para que possamos enxergar melhor. Como qualquer um sabe, não somos apenas um Brasil, mas muitos. Só de Amazônias temos dezenas, talvez centenas e até milhares. Não há um semiárido, mas uma profusão deles. Assim como são muitos e diversos os Rios de Janeiro e é necessário mais de uma vida para alcançar todas as São Paulo só para descobrir que elas mudaram. Me parece que o Brasil se mantém unido pela sua diversidade – e pela forma de olhar para a sua diversidade. Neste percurso, a música foi bem mais importante do que a literatura.
Me preocupa, porém, a forma com que temos olhado para os outros de nós em um momento com tantas decisões em curso. Em geral, a partir do próprio umbigo e com as fronteiras eletrificadas. Uma parte significativa do que chamamos de brasileiros parece misturar o olhar europeu e o olhar americano, aqui explicitados pela literatura, ao se relacionar com tudo o que compreendemos como o outro. Sejam os miseráveis do Bolsa Família, classificados por uma categoria de renda que anularia suas diferenças; sejam os índios, que são vistos como se fossem todos iguais e, em geral, como um “entrave ao progresso”.
Talvez os indígenas sejam a melhor forma de ilustrar essa miopia, forjada às vezes por ignorância, em outras por interesses econômicos localizados em suas terras. Parte da população e, o que é mais chocante, dos governantes, espera que os indígenas – todos eles – se comportem como aquilo que acredita ser um índio. Portanto, com todos os clichês do gênero. Neste caso, para muitos os índios não seriam “suficientemente índios” para merecer um lugar e para serem escutados como alguém que tem algo a dizer.
Outra parte, que também inclui gente que está no poder em todas as instâncias, do executivo ao judiciário, finge que os indígenas não existem. Finge tanto que quase acredita. Como não conhecem e, pior que isso, nem mesmo percebem que é preciso conhecer, porque para isso seria necessário não só honestidade como inteligência, a extinção progressiva só confirmaria uma ausência que já construíram dentro de si.
O modelo de desenvolvimento com que vamos alcançar o futuro depende de como olhamos para os outros de nós e de que lugar ocuparão os outros de nós. Se não acolhermos a diversidade e a usarmos para sermos um Brasil mais igualitário – onde todos sejam igualmente diferentes – não acredito que exista muito futuro para nós, mesmo que o presente pareça promissor. O “Milagre Econômico” da ditadura militar também parecia muito promissor à parcela da sociedade brasileira que dele se beneficiou – e sabemos muito bem como isso terminou.
Para sermos grandes – com um conceito de grandeza que não se mede apenas em cifras – será vital inaugurarmos um jeito de olhar diferente tanto para o nosso próprio continente – onde começamos a nos impor como uma espécie de “Estados Unidos da América do Sul”, como ouço com tristeza cada vez que coloco os pés nos países vizinhos – como na forma como olhamos para dentro de nossas fronteiras. Inaugurar não um olhar condescendente – mas um olhar de quem sabe que tem algo a aprender com o outro.
O que seremos, me parece, será definido pela resposta que daremos a três impasses:
1) Se vamos conseguir construir um modelo de desenvolvimento baseado no século XXI – e não no século XX, como me parece que é o atual;
2) Se vamos acolher os conflitos e dialogar com as culturas dos vários Brasis que nos compõem ou vamos exterminá-los à força, ainda que seja pela força da manipulação da lei;
3) Se vamos conseguir vencer o desafio da educação, mas não só isso: se a inclusão pela escrita será capaz de abarcar a riqueza da nossa oralidade em lugar de silenciá-la.
O que o Brasil será vai depender da sua capacidade – ou não – de incluir todos os outros de si.
No desafio que nos espera, é preciso lembrar que nós não temos língua – somos língua.
Como disse Mia Couto, de forma magistral, na conferência já citada:
- O que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. De outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem.
Para “ser asa e viagem” é preciso acolher todos os outros de si. Não tolerar o outro, mas ser o outro.
Veremos.

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

Cigarro

Terapias de reposição de nicotina podem ser ineficazes na hora de parar de fumar, diz estudo

Pesquisa mostra que quase um terço dos que abandonaram o vício por meio do método sofreram recaída

REDAÇÃO ÉPOCA
Para de fumar não é uma tarefa fácil. Quem decide deixar o hábito procura algum meio de ajuda para conseguir esquecer do cigarro. Uma terapia muito comum é a da reposição da nicotina por meio de doses, adesivos ou goma de nicotina. Mas um estudo promovido pela Escola de Saúde Pública de Harvard e a Universidade de Massachusetts Boston mostra que o método não é eficaz como parece.
De acordo com a pesquisa, publicada na edição online da Tobacco Control, esses tratamentos se mostram insuficientes até mesmo quando utilizados por um longo prazo pelo fumante ou acompanhados por um aconselhamento profissional, médico ou não.
Para Gregory Connolly, coautor do estudo e diretor do Centro para Controle Global do Tabaco, na Escola de Saúde Pública de Harvard, é preciso que os órgãos oficiais de supervisionem a regulação desses produtos que pretendem ajudar os fumantes. "É preciso aprovar apenas os medicamentos que provem ser eficazes a longo prazo, que ajudem realmente a reduzir a nicotina e com ela a dependência do cigarro", diz.
Para chegarem ao resultado, os pesquisadores acompanharam 787 fumantes adultos de Massachusetts que tinham parado de fumar há pouco tempo. Eles foram entrevistados por três longos períodos, 2001-2002, 2003-2004 e 2005-2006, e questionados sobre as terapias de reposição de nicotina que faziam uso e há quanto tempo. Os fumantes também tiveram de responder se participavam de algum programa de apoio ou recebiam ajuda de um médico ou conselheiro.
A conclusão foi a de que, para cada período de tempo, quase um terço dos que abandonaram o vício haviam sofrido uma recaída. Ainda de acordo com os pesquisadores, não foram encontradas diferenças nas taxas de recaídas entre aqueles que usaram as terapias de reposição de nicotina por mais de seis semanas, com ou sem aconselhamento profissional. Além disso, também não foram relatados casos positivos de pessoas que pararam de fumar devido ao uso da reposição de nicotina ((NRTs, na sigla em inglês).
"Este estudo mostra que o uso das terapias não é mais eficaz em ajudar as pessoas a pararem de fumar a longo prazo do que quando elas tentam por conta própria", disse o autor do estudo Hillel Alpert, pesquisador da Escola de Saúde Pública de Harvard. Alpert defende Alpert a realização de mais estudos empíricos sobre esse tipo de tratamento, principalmente quando utilizado pela população em geral.
Para o coautor do estudo, Lois Biener, da Universidade de Massachusetts Boston, é preciso questionar o uso de fundos públicos para fornecer NRTs para as pessoas que desejam parar de fumar, especialmente quando isso ocasiona a redução da quantidade de dinheiro disponível para as intervenções, como campanhas de mídia, promoções de políticas contra o fumo e aumentos de preço do tabaco.


Sertanejos universais

O que Michel Teló, Gusttavo Lima e você ensinam sobre cultura popular

LUÍS ANTÔNIO GIRON
Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)
A reportagem sobre o cantor, compositor e acordeonista Michel Teló, publicada em ÉPOCA, causou repercussão. Houve manifestações ufanistas, mas muitos leitores escreveram à Redação para questionar a abordagem do texto, que afirmava que a música de Teló reflete os valores da cultura popular brasileira. Na revista e no resto da realidade, as reações ao som a um tempo dançante e sertanejo do cantor têm sido conflitantes. O público se divide entre um suposto coro dos contentes e a parcela crítica e intelectual dos consumidores de cultura. De um lado, exulta o público que frequenta festas e baladas, rebola e se diverte com músicas de Teló como “Ai, se eu te pego (assim você me mata)”. De outro, bradam com indignação os eternos baluartes do bom gosto, que gostariam de ouvir o mundo povoado de sambas, clássicos e a boa música popular brasileira – a tal MPB, termo que agora seria apropriadamente trocado por “samba universitário”. Trata-se do retorno meio burlesco do antigo debate em torno de cultura de massa, popular e erudita. Burlesco porque essa era uma discussão da década de 60 do século passado. Tais divisões caíram por terra, e tudo se converteu neste século em mercado e estratificação de gosto. Vou tentar demonstrar que o sertanejo universitário de Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima possui tanta legitimidade quanto a congada paulista, a chula gaúcha, o choro e o samba de morro carioca, entre outras manifestações musicais... quer gostemos ou nem tanto.   
A recepção negativa daquilo que chamávamos antigamente de “intelligenstia” (ninguém mais usa o datado termo russo) me remete a meados da década de 1990, quando apareceu o grupo É o Tchan – e, com ele, vários outros artistas do pagode baiano. As pessoas de gosto refinado viravam a cara para os requebrados de Carla Perez, e fechavam os ouvidos para o samba de roda praticado por É o Tchan. Examinados em perspectiva, percebemos que esses músicos praticavam cultura popular brasileira. Ou não era cultura?
Entendo o que o público sofisticado quer dizer. Como tantos outros, sou saudosista. Gosto de escrever em Times New Roman, como se fosse uma caligrafia minha, vício decorrente de minha teimosia em continuar a escrever à mão. Escrevo em Times New Roman assim como adoro povoar o meu jardim com sambas de Cartola, Chico Buarque, Brancura e Marçal. No dicionário da música, ainda estou na letra B: ouço Bach, Brahms, Berg, Beethoven. Bem entendido, é apenas o meu jardim. Por vezes ele é invadido por ruídos de máquinas e hits das baladas sertanejas hoje em moda, como foi antes tomado pelo funk, o pagode, o tecnobrega, o rock e o pop mais desqualificado. Não raro, essas músicas entram no meu quintal e acabo me divertindo com elas. Às vezes tudo o que eu sou obrigado a ouvir é “Eu te amo e open bar”, o novo sucesso de Michel de Teló. Eu não sou surdo. Não sou de aço.
Minha própria condição de jardineiro infiel me leva à dedução de que aquilo que o público sofisticado quer dizer não se coaduna com a realidade. Estamos na segunda década do século XXI. A expressão popular se alterou profundamente com a imensa quantidade de informação trazida pelas novas tecnologias, como a interconexão planetária imposta pela internet. O brega se juntou ao tecno, o samba ao funk, o forró ao eletrônico – e assim ad nauseam, numa inevitável corrente de acasalamentos artísticos, ideológicos (opa, mais uma palavra banida) e culturais. Vamos nos cingir ao caso do Brasil: uma nova classe média se alevanta, e com elas, seus valores mais queridos. A nova classe média antes respondia pelo gosto popular. Mas agora ela dá as cartas, tornou-se determinante (“mainstream” é o termo em voga) em ditar gosto, modos de vida e comportamento. Atitudes e palavras que talvez repugnem a elite, mas que nunca deixaram de fazer parte dos valores populares, e agora penetram insidiosamente nos hábitos e folguedos da classe dominante globalizada.
Essa promiscuidade do imaginário é o que músicos como Teló, Luan e Gusttavo Lima refletem e trazem à tona com força transformadora. Refrãos como o de “Balada boa”, gravada por Gusttavo Lima já são sucesso do verão e traduzem os vocabulário dos jovens nas baladas sertanejas, que viraram arenas de liberdade e sexo: "Gata, me liga, mais tarde tem balada, quero curtir com você na madrugada: dançar, pular, que hoje vai rolar o 'tchê tcherere tchê tchê’”. Gestos obscenos como os de “Ai, se eu te pego” são repetidos mundialmente, em versões as mais inusitadas. É repugnante - e irresistível.
Se examinadas mais a fundo, as escatologias dançantes e sonoras contêm elementos tradicionais e veneráveis. São emanações da cultura dos sertões brasileiros, agora compartilhadas pelo mundo todo. Luan Santana é mato-grossense. Assim também Michel Teló, paranaense criado em Campo Grande. Gusttavo Lima é mineiro educado em Goiás. Paula Fernandes, mineira de Sete Lagoas radicada em São Paulo. Cada um deles a seu jeito e intensidade mistura folclore, música universitária e pop. Luan vem da tradição caipira. Gusttavo é fortemente influenciado pela axé-music da Bahia – por sua vez fundada nas batidas dos blocos afros de Salvador. Paula Fernandes se vale da toada e da modinha brasileira.


Paula Fernandes, Luan Santana, Michel Teló e Gusttavo Lima (Foto: Tomas Rangel/Ed. Globo,Alexandre Rezende/Folhapress,Rogério Cassimiro/ÉPOCA,divulgação)

Michel Teló merece mais atenção. Ele filho de gaúchos, começou a tocar gaita de 80 baixos aos 7 anos, fez parte durante oito anos do Grupo Tradição, de Campo Grande, e se notabilizou como virtuose da gaita – ou sanfona, como se diz em São Paulo. Ele elaborou um estilo peculiar de executar ritmos semifolclóricos, como o vanerão e o xote gaúchos (de “scottish”, dança escocesa comum nos fandangos sul-riograndenses do século XVIII, que mais tarde passaram a ser tocados no Nordeste brasileiro), fundindo-os com o baião e outros ritmos nordestinos. Teló me disse que gosta de chamar seu estilo de “pancadão sertanejo”. Dessa forma, ele realizou uma síntese das danças do Sul e do Nordeste do Brasil. E avança para novas ousadias. Seu último sucesso, “Eu te amo e open bar” introduz, de forma inusitada, a sanfona na música dançante eletrônica do século XXI. Basta reparar como Teló se vale de refrãos de sanfona em meio ao batidão. Teló traz uma cadência mais sulista ao cabedal de síncope brasileira – e isso talvez seja o motivo de sua música ter pegado tanto no plano internacional. Por ser mais “dura”, mais marcada, sem abdicar da dançabilidade (acabo de forjar o termo, inspirado no vocabulário de videogame), ela é facilmente compreendida pelos estrangeiros. Acho que o excesso de síncope da música brasileira afasta os gringos, incapazes de compreender os contratempos de forma integral, coisa que os brasileiros fazem de modo natural.
Os sons distantes das baladas do sertão chegaram até o centro e os bairros sofisticados das grandes capitais do Brasil e agora conquistam o mundo. Agora não adianta evitar: somos todos sertanejos, somos todos universitários e mundializados. E como tudo está cada vez mais igual a tudo, não surpreende que o batidão de “Ai, se eu te pego” e sua coreografia simiesca tenha se transformado na nova “Macarena”, o sucesso da dupla espanhola Los del Río de 1996. O Brasil figura como uma das sete maiores economias do mundo, e sua música deve se impor como referência. Que seja via esses sertanejos que se revelam universais. O resto é preconceito. 

(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)


Maria Adelaide Amaral: “Conheci tanto a Dercy caretona quanto a escrachada”

A autora da biografia da atriz e da adaptação para a televisão fala sobre a personalidade da comediante e diz que Dercy nasceu para ser artista

DANILO CASALETTI
Maria Adelaide Amaral (à esquerda), junto com o diretor Jorge Fernando e as atrizes Heloísa Pérrissé e Fafy Siqueira (caracterizadas como Dercy), no lançamento da minissérie (Foto: TV GLOBO / Alex Carvalho)

O palavrão. Em um primeiro momento, foi isso que aproximou a escritora Maria Adelaide Amaral da atriz Dercy Gonçalves. “Você fala palavrão direitinho, deve falar desde criança.Você parece minha filha”, disse a comediante para a escritora, no primeiro encontro que tiveram, em 1993. Dercy acabou escolhendo Maria Adelaide para ser sua biógrafa.
O livro Dercy de cabo a rabo (Editora Globo, 319 páginas, R$ 34,90) – que teve lançamento original em 1994 – volta às prateleiras em uma edição revista e ampliada. Foi ele que serviu de base para que a própria Maria Adelaide escrevesse a minissérie Dercy de verdade, que estreia nesta terça-feira (10), na TV Globo, em quatro capítulos. A nova edição traz orelha assinada por Fafy Siqueira, que, juntamente com Heloísa Périssé, dará vida à Dercy na televisão.
No livro, no qual a autora preservou a própria Dercy contando sua vida em primeira pessoa, a comediante abre suas lembranças e conta histórias tão fantásticas quanto sua trajetória de vida. Como, por exemplo, o dia em que deu um flagrante no marido e na amante em um hotel em São Paulo. Ou então do seu vício em jogos. “Ela nunca escondeu nada. Ela contava até mesmo passagens mais fortes ou dramáticas de sua vida”, diz Maria Adelaide.
Para contar em quatro capítulos a trajetória da comediante que morreu aos 101 anos (Dercy dizia ter 103), em julho de 2008, a autora – conhecida pelos sucessos A casa das sete mulheres, Querido amigos e JK, diz que priorizou os fatos mais importantes e determinantes na vida de Dercy, como a saída de sua cidade natal, Santa Maria Madalena (interior do Rio de Janeiro), para seguir uma companhia de circo. “Dercy jamais seria apenas uma dona de casa, uma mulher normal. Ela nasceu artista”, diz Maria Adelaide.

ÉPOCA – Como está a sua expectativa para a estreia da minissérie?

Maria Adelaide Amaral –
Está enorme, você não imagina. Mesmo que eu já tenha passado por tantas estreias, estou nervosa. O fato de a Dercy ser uma figura muito conhecida está gerando uma grande expectativa. Isso só aumenta a minha responsabilidade. Fico muito ansiosa. Mas eu tenho muita confiança nas meninas, a Heloísa e a Fafy, e na condução dada por Jorge Fernando.

ÉPOCA - Você acompanhou as gravações?

Maria Adelaide –
Não. Detesto acompanhar gravações. Só gosto de duas coisas nesse processo de escrever para a televisão: escrever e editar. Editar eu gosto, gosto de trabalhar na mesa de edição. Mas, em Dercy de verdade, não participei. Vi apenas parte do material bruto. Quando eu estive no Rio (a escritora mora em São Paulo), as gravações nem tinham chegado ao final.


Capa do livro Dercy de cabo a rabo (Foto: Divulgação)
ÉPOCA - O livro Dercy de cabo a rabo traz muitas histórias narradas por ela. Como você adaptou isso para a TV. O que você priorizou?

Maria Adelaide
– Eu priorizei os fatos mais importantes e determinantes na vida dela. Determinantes no sentido de ser um divisor de águas, de uma mudança de rumo. Eu pensei nessa minissérie como um filme. E a escrevi assim, como um roteiro de filme. Eu tive que ser bastante econômica.

ÉPOCA – Dentre esses fatos determinantes, quais você pode citar como exemplo?

Maria Adelaide –
Ah, é difícil. A vida das pessoas é um conjunto de fatos determinantes. Com a Dercy não foi diferente. A começar pela decisão dela de ir embora da sua cidade natal (Santa Maria Madalena, interior do Rio). Isso que deflagrou toda a vida futura dela.

ÉPOCA - No Facebook de ÉPOCA, uma internauta perguntou: será que em quatro dias vai se poder realmente saber quem era Dercy?

Maria Adelaide –
Com certeza. Assim como os jornalistas, os dramaturgos precisam ter poder de síntese. É preciso selecionar mesmo, ir ao cerne da história.

ÉPOCA – No livro, a Dercy diz: “Se não tivesse levado tanta porrada da vida, seria mais calma, mais equilibrada. Mas talvez não fosse Dercy Gonçalves”. Você acha que a Dolores se confundia com a personagem Dercy?

Maria Adelaide
– Isso é verdade. No fundo, Dercy criou sua família da maneira como ela gostaria de ter sido criada. Dercy jamais seria apenas uma dona de casa, uma mulher normal. Ela nasceu artista. O lado Dolores era o lado família, uma pessoa recatada, com pudores. Ela não ensinava boas maneiras para a filha porque não era capaz disso, mas pagou professores de inglês e francês para fazer isso. A Decimar teve uma educação requintada, foi blindada com amor, afeto e carinho. Tudo o que a Dercy não teve.

ÉPOCA - A Dercy não tinha receio de contar suas histórias, por mais dramáticas ou embaraçosas que elas fossem. Acha que foi assim que ela conseguiu superar as dificuldades que ela teve na vida?

Maria Adelaide Amaral
– Apenas algumas coisas da vida afetiva dela que ela nunca me contou integralmente. No terreno dos afetos, ela era mais reservada. Ela falava e, depois, eu depreendia o resto. Coisas fortes ela nunca escondeu mesmo. Isso tudo construiu a Dercy. Ela era uma somatória de tudo o que viveu. Uma pessoa muito forte.

Quem é Dercy Gonçalves, quem sou eu? Sei lá. Não sei quem sou. Fui tanta coisa. Eu fui tudo [...] Até de vasto mundo me chamaram. E também disseram de mim: ‘essa mulher é uma santa’, ‘essa mulher é uma ordinária’, ‘essa mulher é uma escrota’, ‘essa mulher é correta’, ‘essa mulher é...’. Tanta coisa que até esqueci. Menos o último refrão: ‘essa mulher é um exemplo de vida’. Quem diria que Dercy Gonçalves seria um exemplo de vida, quem ia acreditar? 

Dercy, no livro Dercy de cabo a rabo
ÉPOCA - Dercy se apoiava muito nos amigos, como você, o Boni, o Faustão?

Maria Adelaide –
Eu era amiga dela, mas não tão próxima. Eu morava em São Paulo, ela no Rio. Nem sempre dava para estarmos próximas. Mas acho que a Dercy se apoiava era nela mesma. Aliás, era mais fácil os amigos se apoiarem nela. Mas o Boni e o Faustão foram dois amigos especiais mesmo.O Faustão foi um verdadeiro filho para ela. Dava dinheiro, joias. Com o Boni foi a mesma coisa. A relação deles era impressionante. E foi assim até a morte da Dercy.

ÉPOCA - Como era essa Dercy amiga?
Maria Adelaide –
Eu conheci uma Dercy que se abriu para mim, que me convidou para escrever a biografia dela. Conheci os dois lados dela. Uma pessoa muito careta, falando coisas como “a família e o casamento são mais importantes que o amor”, até a Dercy escrachada, que falava palavrão. No final, as duas eram uma só. Todo mundo tem um lado B. E os dois lados acabam se misturando.

ÉPOCA - O que fazia o palavrão ser tão especial na boca da Dercy?

Maria Adelaide –
Era natural, fluía. Ela não pensava “eu vou falar um palavrão agora”. Simplesmente saía. É importante lembrar que ela dizia o palavrão no teatro na época em que isso era proibido, era tabu. O ato de falar palavrão na mídia só foi “liberado” quando, em 1969, a Leila Diniz deu uma entrevista para O Pasquim. A Leila falava muito palavrão, até mais que a Dercy. A entrevista foi um sucesso extraordinário e aí parece que liberou geral. Depois, houve uma movimento de neocaretice novamente. Mas Dercy veio antes disso tudo.

ÉPOCA - Em algumas passagens do livro, e principalmente, no final, em que ela conta que um prefeito de Madalena passou a procurá-la para ajudar a cidade, a história se parece muito com a da personagem Geni, de Chico Buarque, que foi escorraçada da cidade e, quando precisaram dela, foram procurá-la. Foi um pouco isso que aconteceu com ela?

Maria Adelaide
– Isso era um briga pessoal dela. Eu nem vou tocar nisso na minissérie. Quando eu escrevi o livro, essa briga toda estava no auge. Aliás, só por isso está no livro. Mas foi um pouco isso, sim. Tem uma peça chamada A visita da velha senhora que tem um pouco disso. Na verdade, Dercy só ajudou a cidade dela.

ÉPOCA – E o túmulo que ela construiu em Madalena. Ela fez por vaidade ou pensando na cidade?

Maria Adelaide –
Sei lá, nunca entendi direito a história daquela pirâmide, de ser enterrada de pé. Não vejo como uma vaidade dela, mas com um cisma. Ao mesmo tempo em que construía o túmulo, ela dizia que não queria morrer, que gostava da vida.

ÉPOCA - Dercy dizia sempre que só iria morrer quando ela quisesse. Acha que foi isso que aconteceu?

Maria Adelaide –
Não sei se ela morreu quando quis, mas ela teve uma boa morte. Estive com ela quatro dias antes dela morrer em uma festa que a empresária Lílian Gonçalves fez para ela. A Dercy estava com uma leve febre, me disse que era um resfriado. Mas não era. Virou uma pneumonia. Mas ela já tinha mais de 100 anos, viveu bem. Não ficou entrevada, estava lúcida, não tinha sido esquecida pela mídia. Dercy teve sorte.

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